Por Germano Pereira
Abre: Fui rever o filme A Árvore da Vida, que está sendo recebido de forma perplexa, muita gente saindo no meio, outros zombando da complexidade da narrativa e outros apenas desinteressados, principalmente mulheres (não sei por que) mexendo nos seus celulares para passar o tempo.
Realmente não é um filme fácil ainda que eu tenha me comovido até mais numa segunda visão. Acho que a melhor solução foi pedir este artigo para Germano Pereira, ator (Passione), dramaturgo e filósofo (ele não gosta que o definam assim, prefere se chamado de estudante de filosofia), que me ajudou outras vezes para dissecar temas igualmente difíceis. Acredito que ele vai ajudar a entender melhor o filme de Terrence Malick.
Palavras chaves: Complexo de Édipo, complexo de Édipo em relação à natureza, amor, compaixão, misericórdia, natureza, formação do indivíduo, desejo, relatividade espacial e temporal.
A Árvore da Vida é um filme que trata de todos esses temas. Apesar de ter uma estética cinematográfica particular que valeria uma crítica mais apurada, vamos falar apenas e também, brevemente (pois não é uma tese), dos significados desses temas listados acima.
Numa família dos anos cinquenta, a história mostra o desenvolvimento psicológico de três meninos. O pai severo ensina as dificuldades da vida para os filhos, mas também é amoroso. A mãe definitivamente coração. Os dois filhos mais novos não têm falas no filme, mas desenvolvem habilidades como tocar violão junto com o pai ao piano. O que causa a raiva do primogênito, este sim, com muita fala, ainda que somente em pensamento, em voz off.
Este filho, um pouco mais velho, está na fase do Complexo de Édipo e tem vontade de matar o pai, literalmente. Vive o conflito de não poder fazer tal ato. Ama a mãe, mas também briga quando ela não o defende dos atos imperiosos do pai. Todas as derivações da formação do indivíduo são colocadas em cena. Repare bem isso no filme. Inclusive nas relativizações no tempo e no tempo psicológico da formação do indivíduo, no caso, este menino.
Numa outra instância, o diretor relativiza esse complexo de Édipo para um complexo de Édipo muito maior e amplo. Isso quando a família perde um dos filhos. Este questionamento acontece neste filho primogênito e também na mãe, que perdidos com a morte, começam a questionar o sentido da vida e a se perguntar onde está o salvador, o grande pai, aquele que pode nos proteger, ou seja, Deus. A necessidade de um protetor/pai é deslocada para a busca do protetor/pai que deve estar na natureza (fato curioso, o pai, Brad Pitt, fala para o filho: “don’t call me dad, call me father/Não me chame de paizinho, no diminutivo, me chame de pai”. Father tem aí o significado de "o grande pai").
Com esta perspectiva, o diretor coloca, entrelaçando a história, a voz em off da mãe e do filho nas imagens mais instigantes, misteriosas e lindas do universo. Planetas, estrelas, explosões cósmicas, etc, num ponto de vista macroscópico. Sistemas circulatórios, células, átomos, num micro. Representando ambos a estrutura cósmica e nosso abismo em relação a ela, daí o surgimento do sentimento da busca do pai.
Essa fusão de imagens também tem o intuito de relativizar a perspectiva do que é a vida e mostrar o sistema de árvore e que uma coisa deriva de outra na existência, que tudo está interconectado. Como o pai e o filho. Ele também brinca com imagens do passado, na época dos dinossauros e de um futuro possível. Uma relativização do tempo, como a espacial, para mostrar na essência a estrutura da vida.
Esta estrutura divide em duas: a forma e o conteúdo. Tudo no universo se divide nessas duas essências. É como se ele nos mostrasse sempre a mesma coisa, no entanto, na pluralidade infinda destas situações. Como a árvore do sistema circulatório, assim também é o complexo de Édipo da formação do indivíduo, a questão hierárquica do poder no trabalho vivido pelo pai, as relações quânticas de tamanhos estratosféricas, e assim por diante.
A forma e o conteúdo nos mostram as estruturas da natureza universal. E esse confronto com nossos desejos e anseios. Nesse conflito, que nos choca e que distingue aquilo que é a realidade e aquilo que é nossa vontade, nasce o desejo de proteção e misericórdia. Com isso, mesmo na nossa maturidade, o complexo de Édipo não é resolvido e ressurge agora diante de algo maior.
Sentimos a necessidade de proteção e de alguém para nos dizer alguma coisa. Daí também, a necessidade das religiões. E bom relembrar o surgimento do fanatismo, quando este complexo de Édipo é usado em detrimento do outro e benefício de um ideal, que sempre diz respeito a si próprio, ao egocentrismo.
Relembrando Shakespeare “... Do Nada fostes criado... Amor briguento... Ódio Amoroso... Luz escura... Sombra fulgurante...”. E mais uma vez, “qualquer” estrutura irá surgir no mundo. Num sentido mais profundo, nossa identidade é criticada, pois não somos, mas passamos. Isso que vemos como sendo nós, é apenas aquilo que passamos enquanto adjetivos que escolhemos para nós. A estrutura da árvore da vida faz com que surjamos e assim nos projetemos e entremos nas leis universais de representação de cada estrutura do universo. Os planetas dos planetas, as estrelas das estrelas, os dinossauros dos dinossauros, os humanos dos humanos.
Esse viés, como nos outros, demandam muito desenvolvimento. Não irei me ater a todos os pormenores, mas a exposição rápida desses temas listados acima e suas formulações em linhas gerais. Quem quiser mais detalhes, deve procurar por fontes mais profundas como: Freud, física quântica, a formação do sujeito e a relatividade.
Contudo, como libertação dessa briga entre natureza e desejo, os sábios indicam a conformação à realidade, o amor sublime e desinteressado, a misericórdia aliada à compaixão. No caminho da evolução e da vida, nos resta nos aprofundarmos nesse mar da vida. O filme dá essa dica de modo complexo e profundo, mas não tem como ser diferente. Diante do universo deve restar em nós sempre o sentimento de magia do mistério do mundo e o de querer conhecer incessante.
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